segunda-feira, 10 de março de 2014

Luis Buñuel (1900–1983)





Luis Buñuel - nascido em Calanda, a 22 de Fevereiro de 1900, e falecido na Cidade do México, a 29 de Julho de 1983 - foi um realizador de cinema espanhol, mais tarde nacionalizado mexicano. Trabalhou com Salvador Dalí, de quem sofreu fortes influências na sua obra surrealista.

A obra cinematográfica de Buñuel, aclamada pela crítica, mas sempre cercada por uma aura de escândalo, tornou-o um dos mais controversos cineastas do mundo, sempre fiel a si mesmo. Buñuel também influenciou fortemente a carreira do realizador conterrâneo Pedro Almódovar.

Luis Buñuel Portolés nasceu ao meio-dia de 22 de Fevereiro de 1900, na aldeia de Calanda, Teruel, Espanha. Era filho de Leonardo Buñuel González, um proprietário abastado que fizera fortuna em Cuba com um negócio de ferragens, e de María Portolés Cerezuela, "a rapariga mais bonita e saudável da aldeia". Pouco depois, a família estabeleceu a sua residência em Saragoça, e só ia a Calanda durante a Semana Santa e nas férias de Verão. Luís era o mais velho de sete irmãos e irmãs, com quem teve uma infância feliz, saudável e despreocupada, em contacto com a rica natureza campestre da sua terra. Teve, desde cedo, uma grande sensibilidade em relação ao "estranho" e ao extraordinário; e facilmente se encantava com animais, plantas e fenómenos naturais, que observava atentamente, imbuído de uma religiosidade pagã. Foi também na infância que adquiriu um enorme fascínio pela morte, quando inadvertidamente, deparou com um burro putrefacto numa valeta.

Em 1908, viu o seu primeiro filme num cinema de Saragoça. Estudou num colégio de Jesuítas, cuja influência se faria sentir para o resto da sua vida. Com a adolescência, perdeu a fé, tornando-se anti-clerical e ateu, e, em 1915, foi mesmo expulso do colégio, tendo terminado os seus estudos secundários no Instituto de Saragoça.

Em 1917, Buñuel foi estudar para Madrid, instalando-se na prestigiada e elitista "Residencia de Estudiantes", onde permaneceria até Janeiro de 1925. Aí conheceu várias gradas figuras das letras, artes e ciências, quer espanholas quer internacionais, tendo convivido com muitos daqueles que fizeram parte da famosa Geração de 27, tomando conhecimento das vanguardas artísticas e literárias da época — cubismo, dadaísmo e surrealismo. Foi também na Residência que se tornou grande amigo de três camaradas e companheiros de boémia que tiveram nele - e vice-versa - uma influência fundamental: Pepín Bello, Federico García Lorca e Salvador Dalí. Nesses anos, Buñuel tornou-se um fanático da cultura física e do atletismo. Frequentava, além disso, os cafés de Madrid e as suas tertúlias, bem assim como os seus bordéis.

Em 1920, fundou o primeiro cineclube espanhol. Em 1921, participou na representação teatral de Don Juan Tenorio, de Zorrilla, em Toledo. Em 1922, publica os primeiros textos literários, influenciados por Ramón Gómez de la Serna. Em 1924, depois de ter frequentado, sem grande convicção, vários cursos universitários, acabou por se licenciar em História.

Em 1925, foi viver para Paris, onde estudou cinema e trabalhou como assistente de vários realizadores entre os quais Jean Epstein. Conhece Jeanne Rucar, sua futura mulher, com quem se casará em 1934.
Em Janeiro de 1929, Buñuel e Dalí, utilizando o método surrealista do "cadáver esquisito", escrevem o guião do filme que acabaria por ter o título de "Un chien andalou" ("Um cão andaluz"). Apesar dos desmentidos, com a sua panóplia de "private jokes" e sub-entendidos, o filme era um subtil mas evidente ataque a García Lorca, de quem se haviam afastado, em parte porque Buñuel (machista assumido) tinha aversão à homossexualidade do poeta, tendo envidado todos os seus esforços para contrariar e sabotar a amizade amorosa que ligava Lorca a um complacente Dalí. Há controvérsias quanto a esta última afirmação pois num futuro não muito distante Dalí acaba por ceder aos "encantos" da ditadura e, segundo um dos filhos de Buñuel, Dalí abriu mão de suas amizades em nome de dinheiro e status.

Buñuel roda "Le Chien Andalou" em quinze dias, durante a Primavera, sendo estreado a 6 de Junho em Paris, perante a nata da sociedade e da intelectualidade francesa. O filme teve um  enorme sucesso, mas também um grande escândalo, e durante vários meses esteve em cartaz no Studio 28. Toda a imagética surrealista (burros podres dentro de pianos de cauda, mãos cortadas, metamorfoses visuais, etc.) causaram a mais viva sensação e espanto. Buñuel refere mesmo que a cena inicial da navalha a cortar um globo ocular provocava desmaios na plateia, tendo mesmo chegado a ocasionar um aborto numa espectadora. A dupla é prontamente admitida no grupo surrealista de André Breton, passando a frequentar as suas reuniões semanais e a cumprir escrupulosamente os seus ditames.

No Verão de 1929, Buñuel e Dalí estão em Cadaqués a preparar um novo filme, L'Âge d'Or, subsidiado pelo visconde de Noailles. Mas a sua colaboração e amizade são depressa ensombradas pelo aparecimento de Gala Éluard, por quem Dalí se deixa enfeitiçar e influenciar totalmente. Por outro lado, a antipatia entre Buñuel e a ciumenta e intriguista Gala é instantânea e mútua, chegando aquele ao ponto, de num acesso de cólera, a tentar estrangular. Buñuel regressa a Paris onde acaba o guião e roda o filme (sem dar crédito à colaboração de Dalí), fortemente anticlerical. Uma vez exibido, cria um enorme escândalo junto da extrema-direita francesa - a sala de cinema é mesmo atacada -  e da burguesia parisiense, tendo o visconde de Noailles sido completamente ostracizado.

Nestas obras emblemáticas estavam bem patentes, de forma concentrada e intensíssima, todos os temas básicos que a sua obra posterior continuaria a reflectir, embora mais discretamente, mas com igual poder: o amor louco, o anti-clericalismo, a rebeldia e inconformismo diante do estabelecido e do convencional, uma ânsia de transcendência, expressos em imagens oníricas e alucinantes, cheias de dureza, de corrosivo humor negro e de uma candura embriagante.

Em 1930, viajou para Hollywood, contratado pela Metro Goldwyn Mayer como «observador», com o objectivo de se familiarizar com o sistema de produção norte-americano. Conheceu Charles Chaplin e Serguei Eisenstein.

Buñuel voltou a Espanha, após a proclamação da República, e, financiado pelo seu amigo anarquista Ramon Acín, dirigiu, em 1933, um documentário, "Las Hurdes, tierra sin pan", que descrevia, de modo cru, a vida quotidiana e os costumes ancestrais de uma recôndita aldeia espanhola da Estremadura, profundamente miserável e em estado quase selvagem. As imagens e os factos descritos eram tão extraordinários e irreais, que acabariam por dar ao filme um cunho verdadeiramente surrealista. Foi um escândalo, desagradando ao governo (esquerdista) espanhol que o proibiu, para grande desapontamento de Buñuel, por dar uma imagem corrompida da Espanha no estrangeiro.

No decurso da guerra civil espanhola exilou-se na França, partindo em 1938 para os Estados Unidos, estabelecendo-se em Los Angeles. Em 1941, foi trabalhar como conselheiro e chefe de montagem para o Museu de Arte Moderna (MoMA) de Nova Iorque. Contudo, a publicação, em 1942, d'A vida secreta de Salvador Dalí, onde Dalí fala da polémica associada ao filme L'Âge d'Or e expõe as simpatias comunistas de Buñuel, causa um pequeno escândalo e faz com que este tenha de se demitir do MoMA em 1943. Buñuel confronta Dalí e pede-lhe um empréstimo de 50 dólares que o outro, obediente a Gala, recusa por carta, em que simultaneamente faz o elogio de Franco e das virtudes da Igreja Católica. Buñuel jamais lhe perdoará a traição e a mesquinhez. Em 1946, depois de ter estado em Hollywood, acaba por partir para o México.

No início da sua fase mexicana, realizou filmes comerciais, que nada tinham a ver com os seus interesses mais profundos. Mas, em 1950, recupera a sua autenticidade com "Los Olvidados", sobre a vida violenta e dura dos meninos da rua da Cidade do México, onde, discretamente, insere elementos surrealistas, sendo muito aplaudido pela crítica. Seguem-se "Subida al Cielo" (1951); o exasperante "Susana" (1951), sobre uma criada pérfida e intriguista; "El Bruto" (1952); o espantoso (e muito autobiográfico) "Él" (1952), sobre um señorito paranóico e louco de ciúmes (com alguma razão…); "Robinson Crusoe" (1953); "Abismos de Pasión" (1953), a sua versão de "O Monte dos Vendavais"; "Ensayo de un Crimen" (1955); "Nazarín" (1958), sobre uma novela de Galdós, onde insere elementos anticlericais e que foi premiado em Cannes.

Em 1960, sob as críticas de outros exilados republicanos, regressou à Espanha para realizar "Viridiana". O filme, cuja rodagem o governo de Franco aceitou, ingenuamente, para além de subsidiar e promover no Festival de Cannes, sem que algum dos responsáveis o tivesse visionado, acabou por se revelar uma paródia impiedosa dos conceitos habituais de caridade e virtude cristãs. Ganhou a Palma de Ouro do Festival de Cannes e depressa causou um enorme escândalo em Espanha, onde foi mesmo proibido. Buñuel vingara-se, assim, de Franco de forma absolutamente imprevisível. Apesar do sucedido, Buñuel não foi perseguido pessoalmente em Espanha, onde tinha uma segunda residência.

O sucesso internacional de "Viridiana" fez com que os europeus se interessassem pelo já esquecido Buñuel. Depois de filmar no México, "El ángel exterminador" (1962; "O anjo exterminador") e "Simón del Desierto" (1965), passou a filmar apenas em França. Ao contrário dos seus produtores mexicanos, o produtor Serge Silberman dava-lhe total liberdade de acção. Teve também a preciosa colaboração do argumentista Jean-Claude Carrière, co-autor de todos os guiões que viria a filmar em França.

Em 1964, foi produzida a sua adaptação cinematográfica do romance de Octave Mirbeau, "Journal d'une femme de chambre", onde Buñuel transporta para a década de 1930 a atmosfera decadente da história, em que uma criada de quarto (Jeanne Moreau) se submete aos caprichos fetichistas, mas inofensivos, do patrão velho (doido por botinas), e resiste tenazmente ao assédio sexual do exasperado patrão novo (Michel Piccoli), acabando por se casar com um criado pedófilo, assassino e reaccionário.

Segue-se "Belle de jour" (1967; "A bela de dia"), segundo uma história de Joseph Kessel, em que uma jovem burguesa (Catherine Deneuve), muito frígida com o marido, se prostitui desenvergonhadamente numa discreta casa de passe, dando rédea solta às suas fantasias masoquistas. Nessa ocasião, Dalí enviou-lhe um telegrama a propor-lhe uma sequência de "Um Cão Andaluz". Buñuel respondeu-lhe: "Águas passadas não movem moinhos."

Em 1969, filma "La Voie Lactée "("A Via Láctea"), relato da peregrinação de dois vagabundos franceses a Santiago de Compostela, onde Buñuel evoca a sua paixão pelo romance pícaro espanhol e onde reflecte, mais uma vez, ironicamente sobre o cristianismo e as suas múltiplas heresias.

Em 1970, Buñuel voltou à Espanha e à sua amada Toledo para filmar "Tristana" ("Tristana, Amor Perverso"), segundo um romance de Benito Pérez Galdós, em que um velho señorito (Fernando Rey) com fumaças de anticlerical e livre-pensador, seduz a sua ingénua pupila (Catherine Deneuve), vindo, mais tarde, a cair nas mãos dela, que não deixa de se vingar.

Em 1972, filma "Le Charme Discret de la Bourgeoisie" ("O Charme Discreto da Burguesia"), onde a alienação, a arrogância, a falta de escrúpulos, a desonestidade e a amoralidade da burguesia são objecto do seu humor negro. Buñuel introduz no filme pequenos apontamentos e historietas de carácter saborosamente surrealista e onírico. O filme ganharia o Óscar para o Melhor Filme Estrangeiro
.
Em 1974, filma "Le fantôme de la liberté", conjunto de historietas e episódios puramente surrealistas, que se vão sucedendo à maneira de um sonho.

Por fim, em 1976, roda "Cet obscur object du désir", adaptação muito livre de "La femme et le pantin", de Pierre Louÿs, em que um homem maduro é manipulado e frustrado por uma jovem e desejável mulher, que o atraiçoa.

Depois de ter filmado "Cet obscur object du désir", Buñuel retirou-se. Estava cada vez mais surdo e a saúde começava a faltar-lhe. Sempre fora um grande bebedor e fumador, e, apesar da sua enorme resistência, começou a sofrer de diabetes e de cancro do fígado.

Morreu na Cidade do México, a 29 de Julho de 1983 e, conforme os seus desejos, foi cremado e as suas cinzas dispersas.




Nota: o presente texto é uma adaptação de outros documentos constantes na Wikipedia e IMDB.


T O P    F I V E   (Recomendado)


Um Cão Andaluz (1929)

A Bela de Dia (1967)

A Via Láctea (1969)

O Charme Discreto da Burguesia (1972)

Este Obscuro Objecto do Desejo (1977)




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