François Truffaut - nascido em Paris, a 6 de Fevereiro de 1932, e falecido em Neuilly-sur-Seine,, a 21 de Outubro de 1984 - foi um carismático cineasta francês.
Fica para a história do cinema como um dos fundadores do movimento cinematográfico conhecido como "Nouvelle Vague" e um dos maiores ícones da história do cinema do século XX. Em quase 25 anos de carreira como realizador, Truffaut dirigiu 26 filmes, conseguindo conciliar um grande sucesso de público e de crítica na maior parte deles.
Os temas principais de sua obra foram as mulheres, a paixão e a infância. Além da direcção cinematográfica, Truffaut foi também argumentista, produtor e actor.
Junto com Jean-Luc Godard, Truffaut foi uma das mais influentes figuras do novo cinema francês e inspirou cineastas como Steven Spielberg, Quentin Tarantino, Brian De Palma e Martin Scorsese.
Biografia
Infância
François Truffaut nasceu no início dos anos 1930, filho de Roland Lévy e Jeanine de Montferrand. Nunca conheceu o pai biológico e foi criado pelos avós maternos - já que a mãe o rejeitara. O avô era um homem rígido, enquanto a avó despertou na criança que criou a paixão pela literatura e música. Com sete anos, François viu o primeiro filme no cinema, "Paradis perdu", de Abel Gance. Dali em diante, interessou-se assiduamente pela sétima arte.
Aos 10 anos, François perdeu a avó e foi morar com a mãe, que estava casada com Roland Truffaut, um arquitecto católico que acabou por o registar com o seu sobrenome. Foi o período mais difícil da infância de Truffaut. Rechaçado tanto pelo pai adoptivo quanto pela mãe, o seu espírito rebelde transformou-o num mau aluno na escola e induziu-o a cometer alguns actos de delinquência, como pequenos furtos. Esta fase de convívio com os pais inspiraria Truffaut no seu primeiro trabalho cinematográfico, o autobiográfico "Os 400 golpes".
Naquele tempo, François Truffaut costumava faltar às aulas para assistir a muitos filmes secretamente, muitas vezes com o colega de classe Robert Lachenay, seu grande amigo na infância. Com 14 anos, Truffaut abandonou a escola definitivamente e passou a viver de pequenos trabalhos e alguns furtos. A paixão pelo cinema fez o jovem Truffaut fundar, em 1947, um cine-clube, chamado "Cercle cinémane". Aquela era uma época de enorme efervescência cultural na França pós-II Guerra Mundial, e os cineclubes, lotados, eram o local ideal para se assistir às projecções dos filmes que depois eram discutidos. Mas o "Cercle" não teria vida longa, já que concorria com o"Travail et culture", cine-clube do escritor e crítico de cinema André Bazin. Bazin soube que o "Cercle" estava à beira da falência e foi conhecer Truffaut. Sensibilizado com o jovem cinéfilo, o crítico tornar-se-ia uma espécie de "pai" para François.
A influência de Bazin na vida de François Truffaut foi decisiva. O jovem tornou-se autodidacta, esforçando-se para ver três filmes por dia e ler três livros por semana. Chegou mesmo a fazer um acordo com o pai adoptivo, que lhe custearia despesas derivadas de sua vida cinéfila. Em troca, Roland Truffaut exigiu que François arranjasse um emprego estável e abandonasse o seu cine-clube de vez. Mas Truffaut não cumpriu o acordo, pelo que Roland Truffaut o internou num reformatório juvenil de Villejuif, e passou a sua custódia para a polícia. Os psicólogos do reformatório contactaram Andre Bazin, que prometeu dar um emprego a François no "Travail et culture". Sob liberdade condicional, Truffaut foi internado num lar religioso de Versailles, mas, seis meses depois, foi expulso por mau comportamento.
Independência
Secretário pessoal de Andre Bazin, aos 18 anos, François Truffaut obteve a emancipação legal dos pais. Bazin continuou a lhe dar a formação adequada em cinema, introduzindo-o no "Objectif 49", um seleto grupo de jovens estudiosos do novo cinema da época, como Orson Welles e Roberto Rossellini. Mais tarde, integrariam o "Objectif 49" nomes como Jean-Luc Godard, Suzanne Schiffman e Jean-Marie Straub. Truffaut também participava do "Ciné club du Quartier Latin", boletim sobre cinema coordenado por Eric Rohmer, em que ele daria seus primeiros passos como crítico da "sétima arte". O seu primeiro artigo foi sobre o clássico "A regra do jogo" (1939), de Jean Renoir. Em Abril de 1950, François Truffaut foi contratado como jornalista pela revista Elle e passou a escrever seus primeiros textos. Também fazia contribuições regulares para outras publicações.
Mas, numa decisão inexplicável, Truffaut largou a profissão e alistou-se nas Forças Armadas francesas. Arrependido, tentou escapar, mas acabou preso por tentativa de deserção. Novamente, Andre Bazin intercedeu por ele e Truffaut livrou-se do serviço militar depois de dois anos, em Fevereiro de 1952. Desempregado, aceitou morar com a família de Bazin e dedicou-se a ver filmes e escrever artigos como freelancer.
Cahiers du cinéma
Em Abril de 1951 - época em que François Truffaut estava preso -, uma nova revista sobre cinema nascia. A "Cahiers du cinéma", fundada por André Bazin, Jacques Doniol-Valcroze e Joseph-Marie Lo Duca, tornaria-se a mais influente publicação sobre o tema em França. Em 1953, Bazin ajudou Truffaut a entrar para a "Cahiers". E logo com seu primeiro artigo, "Une Certaine tendance du cinéma française" ("Uma certa tendência do cinema francês") - um manifesto contra "a tradição da qualidade" do cinema francês - Truffaut causou polémica no meio cinematográfico, seja para o defender ou para o criticar.
Além das críticas contundentes de François Truffaut, a "Cahiers" contava com outros jovens promissores como Claude Chabrol, Eric Rohmer, Jacques Rivette e Jean-Luc Godard. Ao longo de seis anos na revista, Truffaut publicou 170 artigos, a maioria deles críticas de filmes ou entrevistas com realizadores, alguns dos quais se tornariam seus amigos, como Jean Renoir, Max Ophuls e Roberto Rossellini. Mais tarde, François Truffaut também publicou artigos pela revista "Arts-Lettres-Spectacles", reduto dos intelectuais de direita da época. Alvo constante de críticas de publicações de tendência esquerdista, como "L'Express" e "Les Temps modernes", Truffaut manteve a sua postura de atacar aquilo que julgava ser um cinema obsoleto. Mas Truffaut sempre fez questão de evitar o engajamento político, embora tivesse militado por algumas causas em algumas ocasiões, como contra a guerra na Argélia.
A Nouvelle Vague
Como crítico, François Truffaut desenvolveu sua famosa "Politique des auteurs" ("teoria autoral", em português). Neste conceito, o filme é considerado uma produção individual, como uma canção ou um livro. Truffaut defendia que a responsabilidade sobre um filme dependia quase que exclusivamente de uma única pessoa, em geral o realizador. Para ele, o grande representante da sua teoria era o realizador inglês Alfred Hitchcock.
A "Politique des auteurs" foi a base para o surgimento de um movimento que revolucionaria o cinema francês. Criada por jovens cineastas franceses, a Nouvelle Vague defendia tanto a produção autoral como também uma produção intimista e a baixo custo. Esta nova geração era formada principalmente por jovens críticos das publicações especializadas. E a dúvida que pairava era: será que um crítico é capaz de fazer um filme? François Truffaut foi um dos primeiros a tentar provar que era possível, ao realizar três curtas-metragem. Ainda nesse ano, Truffaut publicou o conto "Antoine et l'Orpheline" na "La Parisienne" - onde também era colaborador - e fez a sua primeira entrevista a Alfred Hitchcock, em Paris, para a "Cahiers".
Em 1956, Truffaut foi assistente de produção de Rossellini e, no ano seguinte, fundou a sua própria companhia de cinema, a Les films du Carrosse. Em 1957, casou-se com Madeleine Morgenstern, filha do rico distribuidor Ignace Morgenstern (COCINOR). O casamento com Madaleine garantiu plena independência artística-financeira para os trabalhos de François Truffaut. Com ela, o cineasta teve duas filhas: Laura (1959) e Eva (1961). Durante a produção de "Os 400 Golpes", Truffaut viu, a 11 de Novembro, o seu "pai" Andre Bazin falecer, vitimado por leucemia.
Carreira consolidada
Durante as gravações de "Jules et Jim", o cineasta teve um caso de amor com a actriz francesa Jeanne Moreau, casada na época com o costureiro Pierre Cardin. O casamento de Truffaut já havia sofrido um sério abalo, quando ele teve um curto relacionamento com uma actriz de 17 anos, Maria-France Pisier, protagonista de "Antoine et Colette". Em 1964, Truffaut decidiu romper o seu casamento com Madeleine Morgenstern, mantendo o romance com Moreau, recém-separada de Cardin.
O prestígio de Truffaut levou a que fosse cogitado para dirigir "Bonnie & Clyde" (1967). Um ano depois, François Truffaut fez parte, como tesoureiro, do comitê de defesa da "Cinémathèque Française", que tinha como presidente de honra Jean Renoir. Militou activamente pela instituição, tendo, inclusive, chegado a panfletar ao lado do filósofo Jean-Paul Sartre. Com "Beijos Proibidos", Truffaut apaixonou por Claude Jade e os dois chegaram a ficar noivos, mas romperam pouco depois.
No fim dos anos 1960, Truffaut e Godard rompem uma longa amizade, iniciada na redacção da "Cahiers du Cinéma". A ruptura seria para sempre, embora Godard tentasse uma reconciliação nos anos 1980.
Em 1973, depois do sucesso com "A Noite Americana", com o qual ganhou o Óscar de melhor filme estrangeiro, François Truffaut recusou, então, uma proposta da Warner Brothers para refilmar "Casablanca". Quatro anos depois, o cineasta actuou em "Encontros Imediatos do Terceiro Grau", convidado pelo realizador norte-americano Steven Spielberg. Em Outubro de 1979, François Truffaut aceitou o cargo de presidente da "Federação Internacional dos Cine-clubes".
A morte
Túmulo de Truffaut
Truffaut apoiou a eleição do socialista François Mitterrand para a presidência francesa. No poder, Mitterrand quis condecorá-lo com a "Legião de Honra". Em 1983, nasceu a terceira filha do cineasta, Joséphine Truffaut, com a companheira Fanny Ardant. Na época, Truffaut queixava-se de intensas dores de cabeça. Descobriu mais tarde que estava com cancro no cérebro. Pensou, então, em escrever sua sua autobiografia, com o amigo Claude de Givray, mas os problemas de saúde impediram-no de a finalizar. Morreu a 21 de Outubro de 1984, no Hospital Americano de Neuilly-sur-Seine, vítima de um tumor cerebral. Encontra-se sepultado no Cimetiere de Montmartre, Ilha de França (Paris).
Obra
François Truffaut fez seu primeiro filme em 1954: a curta-metragem "Uma Visita", filmado a preto-e-branco e em 16 mm. No mesmo ano, produziu o argumento de "O Acossado", de Godard, futuro e aclamado filme deste realizador. Em 1958, Truffaut e Godard co-dirigiram a curta "Une Histoire D'Eau". Com a fundação da Les films du Carrosse, Truffaut produziu outra curta. "Os putos", também filmado em preto-e-branco e em 16 mm, tendo recebido boa recepção da crítica especializada que lhe deu o prémio de Melhor Realizador do Festival du Film Mondial, de Bruxelas.
Com fundos do sogro, em 1958, lançou um projecto cinematográfico inspirado nas suas experiências da infância e pré-adolescência: a longa-metragem "Os 400 golpes". O sucesso internacional deste filme "inaugurou" definitivamente inaugurou a "Nouvelle Vague". Para fazer o papel de actor principal do filme foi escolhido um jovem Jean-Pierre Léaud. Com 14 anos, Leaud interpretaria Antoine Doinel, alter-ego de Truffaut. Assim como Bazin se tornara um pai para Truffaut, este seria o grande mentor de Leaud.
Em Abril de 1959, os "Os 400 golpes" ganhou o prémio de melhor realizador do Festival de Cannes, além de ter sido nomeado ao Óscar de Melhor Roteiro Original.
Em Novembro de 1960, foi lançado o filme "Atirem sobre o pianista", a sua segunda longa-metragem. o seu primeiro filme noir, baseado no romance policial "Down There", do norte-americano David Goodis. O filme foi um fracasso de público, o que levou muitos jornalistas a decretarem o fim da "Nouvelle Vague". Mas, com "Jules et Jim", lançado em Janeiro de 1962, Truffaut tentou provar o oposto. Com Jeanne Moreau no papel principal, "Jules et Jim" - adaptação homónima do livro do francês Henri-Pierre Roché, que conta o triângulo amoroso de três amigos - é considerado uma das obras-primas do movimento. Ainda nesse ano, Truffaut lançou a curta "Amor aos 20 anos", uma sequência das aventuras de Antoine Doinel.
Dois anos depois, em Maio de 1964, estreou "Um só pecado/Angústia", a quarta longa do cineasta, um drama psicológico sobre a paixão de um prestigiado conferencista por uma jovem. Obra sui-generis na filmografia do realizador, "Fahrenheit 451", filme inspirado na ficção do escritor norte-americano Ray Bradbury, narra a história de uma sociedade totalitária no futuro, onde os livros foram banidos. O filme, lançado em Setembro de 1966, recebeu uma nomeação aos BAFTA e uma do Festival de Veneza. É também o primeiro filme colorido de Truffaut.
Em Abril de 1968 foi lançado "A Noiva Estava de Luto", inspirado na obra do escritor norte-americano William Irish, A Noiva… foi o segundo film noir de Truffaut, de novo "estrelado" por Moreau. O filme conta a história de uma mulher em busca de vingança pelo assassinato do noivo. Em Setembro, estreou "Beijos Roubados", mais uma história com o alter-ego do director. Nela, um Antoine Doinel apaixona-se por Christine (Claude Jade), uma violonista burguesa. O filme foi também um rregisto feito da cidade de Paris antes dos acontecimentos de maio de 68. Truffaut acabou por se casar com Jade, nesse ano.
"A Sereia do Mississippi", lançado em Junho de 1969, foi mais uma adaptação que fez de uma obra de Irish. Com Jean-Paul Belmondo e Catherine Deneuve, o filme conta a história de um rico empresário do tabaco, de Reunião, que tinha conhecido uma mulher por correspondência com a qual se casaria, mas acaba por se envolver numa louca paixão com uma mulher totalmente diferente daquela com a qual pretendia casar. Em Fevereiro de 1970, foi lançado "O Menino Selvagem", adaptação de Jean Itard. Foi o primeiro filme em que Truffaut ganha um papel de destaque (já havia feito uma subtil aparição em "Os 400 Golpes"), ao interpretar o professor Itard, que "vivenciou" a experiência de encontrar um menino nas selvas, que foi por si educado.
Leaud, em "Domicílio Conjugal", de Setembro de 1970, mostra um Antoine Doinel casado com Christine. Em Novembro de 1971, estreou "Duas Inglesas e o continente", outra adaptação de Henri-Pierre Roché, sobre o triângulo amoroso entre duas jovens inglesas e um rapaz francês, no início do século XX. O filme conta com a a participação de Eva, filha de Truffaut.
Em Setembro de 1972, foi lançado "Uma jovem tão bela como eu", inspirada na obra do escritor norte-americano Henry Farrell, sobre uma socióloga que entrevista, na prisão, uma mulher acusada de assassinato. "A Noite Americana", uma das obras mais famosas de Truffaut, foi lançada em Maio de 1973. O filme - sobre a produção de um filme - mistura ficção com realidade, com o próprio Truffaut actuando como director de uma obra que seria estrelada pela actriz britânica Jacqueline Bisset. A obra venceu o Óscar de Melhor Filme Estrangeiro, em 1974, além de três BAFTAs.
Em Outubro de 1975, lançou "A História de Adèle H.", com a actriz francesa Isabelle Adjani. Inspirado no diário de Adèle Hugo, o filme narra a paixão ensandecida da filha do poeta francês Victor Hugo pelo Capitão Albert Pinson (Bruce Robinson). Em 1976, foi lançado "Na idade da inocência", filme sobre o quotidiano de pais, alunos e professores numa pequena cidade do interior francês.
Sucesso de público, "O Homem que Amava as Mulheres" chegou às salas de cinema em Abril de 1977. Em flashback, o filme narra a vida e os casos amorosos de Bertrand Morane Charles Denne. Inspirado em "The altar of the dead", de Henry James, "O quarto verde" estreou em 1978. A obra conta a história de Julien Davenne (interpretado por Truffaut), um jornalista que venera a mulher prematuramente morta. Em 1979, chegou ao fim a saga de Antoine Doinel, com o lançamento de "Amor em fuga". Já tendo passado dos 30 anos e separado de Christine, Doinel tenta ainda encontrar o amor. A trilha sonora, de Georges Delerue, levou o prémio César.
Um dos mais premiados filmes do realizador foi "O Último Metro". Lançado em 1980, o filme contou com o desempenho dos astros Gérard Depardieu e Catherine Deneuve. Durante a França ocupada pelos nazis, um dramaturgo judeu comanda uma peça do porão de seu teatro. O filme sai vencedor do César em 10 categorias e recebeu nomeação para o Óscar de Melhor Filme Estrangeiro. Em 1981, estreou "A Mulher do Lado", com Fanny Ardant e Gérard Depardieu. O filme narra a tragédia da história de amor de Bernard e Mathilde, que se reencontram depois de viverem um tórrido romance. Último filme de François Truffaut, "Finalmente, Domingo!" é uma adaptação de "The Long Saturday Night", de Charles Williams. Lançado em 1983, o filme narra a história de uma mulher que ajuda um homem, acusado por assassinato, a encontrar o verdadeiro criminoso. O filme foi nomeado para um César, na categoria de Melhor Realizador.
Nota: o presente texto é uma adaptação de outros documentos constantes na Wikipedia e na IMDB.
T O P F I V E (Recomendado)
Os quatrocentos Golpes (1959)
Disparem Sobre o Pianista (1960)
Jules e Jim (1962)
A Noite Americana (1973)
O Último Metro (1980)
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